Em 9 de junho de 2015, o carnaval do Recife e sua historiografia perderam um dos seus mais aguerridos, apaixonados representantes. Enquanto pôde, Evandro Rabello teimou, teimou – e sabemos da sua personalidade teimosa! Há anos sua saúde dava sinais de fraqueza, e ele resistia, teimava. Tinha uma chama muito forte. A centelha de quem gostava de viver, gostava da vida. Evandro Rabello nasceu no ano de 1935, em Aliança (distrito da Lapa, atual Macujê), zona da mata pernambucana.
Evandro Rabello muito elegante de summer (Foto: Acervo de Germano Rabello)
Foi pai de Eduardo e Germano, filhos do casamento com Leda, companheira incansável e exemplar em todos os momentos. Evandro foi boêmio ativo nas noites do Recife chegando inclusive a ser proprietário de uma gafieira chamada Pedra no Sapato. Funcionário do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) até se aposentar, trabalhou também em outras instituições como a Empetur e a Fundaj. Era formado em História pela Universidade Católica de Pernambuco e, exercendo o ofício, publicou livros como O Mundo de Dona Finha (1969), Ciranda: dança de roda, dança da moda (1979) e o mais recente Memórias da Folia: o carnaval do Recife pelos olhos da Imprensa (2004).
Evandro Rabello na sua biblioteca (Foto: Acervo de Germano Rabello)
Durante anos, Evandro frequentou os acervos da Biblioteca Pública Estadual, da Associação Comercial e da Hemeroteca do Arquivo Público Estadual de Pernambuco e coletou dezenas de notícias e artigos de jornal que tematizavam o carnaval entre os séculos XIX e XX. Como vemos, Evandro vivia duas paixões de modo articulado: a pesquisa documental e o carnaval. Evandro colaborou escrevendo para a imprensa pernambucana e publicando artigos como O Recife e o Carnaval e Vassourinhas foi compositado em 1909.
Evandro Rabello pronto para ir curtir as prévias carnavalescas (Foto: Acervo de Germano Rabello)
Seu artigo mais lembrado é o aparecimento da palavra frevo cuja descoberta permitiu que a data 9 de fevereiro fosse adotada como o Dia do Frevo. Como sabemos, a data transformou-se em momento festivo celebrado anualmente através de eventos e espetáculos públicos. As comemorações em torno do centenário do aparecimento da palavra frevo culminaram na transformação da manifestação cultural em patrimônio imaterial brasileiro e da humanidade. Se alguém descobriu o que seria a certidão de nascimento do Frevo, este foi Evandro Rabello.
Evandro Rabello fantasiado de anjo (Foto: Acervo de Germano Rabello)
Folião e pesquisador de manifestações culturais e carnavalescas, Rabello encontrou a mais antiga referência à palavra, o primeiro registro da palavra frevo, no Jornal Pequeno, de 9 de fevereiro de 1907. Uma nota publicava a lista do repertório do Clube Carnavalesco Empalhadores do Feitosa onde aparecia uma marcha intitulada O Frevo. A descoberta foi divulgada no Diário de Pernambuco de 11 de fevereiro de 1990. No contexto das comemorações do centenário, em 2007, foi agraciado, de modo justo e legítimo, com a Comenda do Frevo. Mas Evandro também era folião. Fazia questão de se fantasiar. Muitas vezes, bastava um adereço para arrancar risos dos outros.
Getulio Cavalcanti e Evandro Rabello (Foto: Acervo de Germano Rabello)
E como folião-pesquisador também ajudou a fundar o Bloco Carnavalesco Misto Nem Sempre Lily Toca Flauta. Foi inclusive homenageado como padrinho de Lily. Foi ele quem trouxe o sugestivo nome encontrado em notícia sobre agremiações carnavalescas publicada no Diário de Pernambuco em 1915. Também foi folião e colaborador desde os primeiros anos do Bloco da Saudade. Evandro se destacava por sua prática carnavalesca, às vezes festivo, às vezes guerreiro, sempre guiado pela emoção. Encantava-se com seu objeto de estudo e participa dele ativamente.
Evandro Rabello e Ariano Suassuna (Foto: Acervo de Germano Rabello)
Homenageado por inúmeras agremiações carnavalescas e por compositores do porte de Lourival Oliveira (que compôs Evandro Rabelo na onda) e Getúlio Cavalcanti (em Recado a Capiba). Recebeu também títulos importantes como Memória Viva do Recife, História Viva do Recife e a Medalha de Mérito José Mariano outorgada pela Câmara Municipal do Recife. De Evandro, guardo uma gratidão enorme. Influenciou-me decisivamente na escolha do tema de minha tese e disponibilizou-me bibliografia fundamental para que eu pudesse realizar meu doutoramento sobre a história do carnaval do Recife.
José Gouveia, Gilberto Freyre, Jasson Silveira Barros e Evandro Rabello (Foto: Acervo de Germano Rabello)
Perdemos todos um amigo e um homem de rara inteligência e senso de humor. Perdemos um pesquisador importante da cultura popular. Sorte nossa que podemos ao mesmo tempo em que a saudade aperta, comemorar sua longa vida, sua obra, suas histórias e o carnaval do presente que ele tanto brincou e que ajudou a construir. Este belo texto foi escrito por Lucas Victor Silva, professor e historiador da Universidade Federal Rural de Pernambuco.