Fernando Machado

Bloco das Flores & Clarice Lispector

Ontem à tarde a Praça Maciel Pinheiro, que já foi tão bonita e hoje está entregue aos cheira-colas e mendigos, pois a Secretaria de Cultura não está nem ai, foi cenário para a saída do Bloco das Flores. Ele é o primeiro bloco lírico de Pernambuco, fundado no dia 15 de fevereiro de 1920, como o nome de Flores Brancas, mas em 1923 virou Bloco das Flores, pelo comerciante e ator, o português Pedro Salgado.

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Pastoras e pastores diante da Igreja Matriz da Rua da Imperatriz (Foto: Fernando Machado)

Em seu primeiro ano, a agremiação desfilou com 100 moças, todas de branco, portando luvas e leques, fantasiadas ao estilo belle époque, ao som dos acordes dos primeiros frevos de bloco. Inspirados pelos costumes franceses, que se notabilizavam pelas grandes festas em salões, os blocos líricos trouxeram para as ruas do Recife essas tradições, com toda sua riqueza e pujança.

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A estilista Carmen Alves junto com algumas pastoras (Foto: Fernando Machado)

Dessa forma, deu-se um caráter mais elitista ao frevo e ao mesmo tempo abriu espaço para a participação da mulher no Carnaval de rua da Cidade. Nos anos vinte, um grupo de músicos e carnavalescos liderados por Felinto, Pedro Salgado, Guilherme, Fenelon, Raul Moraes, Nelson Ferreira entre outros iniciaram uma nova categoria de frevo. Este evento deu origem a diversas outras agremiações, consolidando o frevo de bloco (música) e o bloco lírico (agremiação), uma das mais belas manifestações carnavalescas.

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A presidente do bloco, Jane Emirce de Melo e o maestro Macaiba ao lado de Clarice (Foto: Fernando Machado)

O Bloco das Flores é a agremiação com o maior número de frevos em sua homenagem, mais de 20 composições. Com flores, perfume, lindas canções e fantasias desfila com graça levando a paz do lirismo aos amantes do Carnaval de Pernambuco! E ontem não foi diferente, com o tema Flores para Clarice e fantasias criadas por Carmen Alves, ele reviveu o passado. A concentração foi na Praça Maciel Pinheiro bem enfrente no prédio onde morou Clarice Lispector., ao que tudo indica entre 1925/1935.

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A jornalista Geórgia Alves e a musa inspiradora do tema do bloco (Foto: Fernando Machado)

Não se sabe ao certo se Clarice Lispector (1920/1977) participou de algum desfile do Bloco das Flores, mas que ela se fantasiou de rosa no seu primeiro carnaval no Recife, com certeza. O imóvel está sujo, a diretoria do bloco chegou a pedir a Secretaria da Cultura que desse uma pintura pelo menos na sua fachada. Todavia nada foi feito. A casa está deplorável. Mesmo assim tudo foi tão lindo que ninguém lembrou que a Prefeitura do Recife existe.

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Os veleiros Moisés Navia e Wellington Gonçalve /  Vinicius e Vitória Gonçalves com André Breckenfeld diante do imóvel onde morou Clarice (Fotos: Fernando Machado)

Tenho certeza que Clarice Lispector, lá no céu está contente, e uma vez escreveu: “Não tenho tempo pra mais nada, ser feliz me consome muito”. E juro que vi Clarice junto à sua estatua, rodeada por Felinto, Pedro Salgado, Guilherme e Fenelon batendo o maior papo, claro que irritados com o descaso da Prefeitura do Recife, leia-se Secretaria de Cultura, com aquele espaço que fez parte da vida deles. Não adianta mesmo, os governos passam e a Praça Maciel Pinheiro continua à toa na vida. E novamente lembramos sua poesia: “Passei a vida tentando corrigir os erros que cometi na minha ânsia de acertar”.

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As pastoras diante da casa onde morou Clarice Lispector (Foto: Fernando Machado)

Às 17h os pastores saíram da Praça Maciel Pinheiro e foram para a frente da Igreja da Rua da Imperatriz para começar o cortejo para o Marco Zero. O Bloco das Flores com cerca de 100 pastores, pastoras e músicos começaram o ritual com direito a queima de fogos e claro com o seu hino Valores do Passado, de Raul Moraes. Durante toda trajetória pude notar, que a Rua da Imperatriz não tinha nenhuma decoração. E falta de repeito foi quando uma viatura da Policia Militar passou pelo meio dos pastores e pastoras.

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Jane Emirce de Melo evoluindo com as pastoras (Foto: Fernando Machado)

Os integrantes do bloco e seus perseguidores cantavam na hora “Bloco das Flores, Andaluzas, Cartomantes / Camponeses, Após Fum e o Bloco Um Dia Só / Os Corações Futuristas, Bobos Em Folia
Pirilampos de Tijipió / a Flor da Magnólia / Lira do Charmion, Sem Rival / Jacarandá a Madeira da Fé / Crisântemos, Se Tem Bote e Um dia de carnaval / Pavão Dourado, Camelo de Ouro e Bebé / Os Queridos Batutas da Boa Vista / E os Turunas de São José / Príncipe dos Príncipes brilhou / Lira da Noite também vibrou / E o Bloco da Saudade, assim recorda tudo o que passou”.

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Socorrinho Cardoso e Jubiraci Ferreira (Foto: Fernando Machado)

A segunda música foi a de Nelson Ferreira, Evocação Nº 1: “Felinto, Pedro Salgado, Guilherme, Fenelon / Cadê teus blocos famosos / Bloco das Flores, Andaluzas, Pirilampos, Apôs-Fum / Dos carnavais saudosos / Na alta madrugada / O coro entoava / Do bloco a marcha-regresso / E era o sucesso dos tempos ideais / Do velho Raul Moraes / Adeus adeus minha gente / Que já cantamos bastante / E Recife adormecia / Ficava a sonhar
Ao som da triste melodia”.

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Olhem bem para a Praça Maciel Pinheiro no dia de culto para Clarice Lispector (Foto: Fernando Machado)

Quando deixei de perseguir o Bloco das Flores, todos entoavam Flores para Clarice, de Katia e Pandora Calheiros: “Restos de um carnaval / Fantasia original / Toda vestida de rosa / Com seu sonho virginal / A desfilar pelo Recife / Seu primeiro Carnaval. / Passeando pelas flores, / declamando os amores / Desse bloco magistral /  Bloco das Flores / Nos traz Clarice / Vestida de rosa / Pelo Recife / Vestindo restos de um Carnaval, / La vem Clarice com seu esplendor / Em sua marcha triunfal / Um sonho se realizou. / Pelas ruas da cidade; Cheia de felicidade / Era a rosa mais linda, / Com sua simplicidade”.

 

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